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“Música não impõe, propõe.” Com esse aforismo, Egberto Gismonti deu o tom de uma noite de agosto no Blue Note SP: uma apresentação íntima e generosa. O palco parecia sumir, integrado ao salão — transformado numa conversa entre amigos, como numa praça de pequena cidade. Uma bela ironia. Afinal, a casa de shows está à beira da Av. Paulista.
Bem à vontade, compartilhou encontros e lembranças. Recordou Nelson Cavaquinho, sempre com admiração. Lembrou Baden Powell, surpreso ao vê-lo transcrever de ouvido, em tempo real, uma peça inteira. Falou de “Água e Vinho”, nascida como um exercício de piano. E contou a cena engraçada da mãe e da tia, assustadas quando ouviram a plateia gritar “Palhaço!” — sem perceber que era apenas um pedido pela música.
Também abriu espaço ao violonista Daniel Murray, que participou em algumas músicas e foi elogiado como parceiro de caminhos. Em entrevista à Veja, Egberto havia dito:
“...sou curiosíssimo e continuo sendo, e tive a sorte de ter bons parceiros que indicaram os melhores caminhos…”
Murray é um desses que apontam. Mas esse conceito é uma via de mão dupla: Egberto tem sido um apontador de caminhos coloridos, desafiadores e inventivos para diversas gerações — inclusive a de seu convidado.
Egberto Gismonti é um dos representantes da música profunda. A que fala ao íntimo. Que semeia liberdades e se conecta à sensibilidade. É alimento aos sentimentos que ficam escondidos no cotidiano. Uma música apoiada em técnica e pesquisa, mas que se destaca pela intensidade emocional. É uma iluminação: o contato com algo maior, além do corpo. Como disse à Veja em outra passagem:
“Para mim, existem dois tipos de música: aquela que me estimula e me faz acreditar que serei salvo através dela, e aquela que ainda não descobri como me proporcionar essa liberdade.”
O público foi cúmplice. De uma música que não se impõe. Apenas puxa uma cadeira à mesa para conversar. E propor emoção.
